terça-feira, 26 de março de 2013

Algo ainda me falta dizer...


Aos filhos que são vistos como diferentes e
aos pais que ainda não compreendem que nada é diferente.

Pai, mãe....
Quero tentar, em meio à lagrimas e um misto de sentimentos, dizer algo que há pelo menos três anos eu não consegui ainda dizer...Há bastante tempo, exatamente dez anos, quando saí da nossa casa, mal podia imaginar as surpresas que a vida me reservava. E assim foi. Fiz as malas e saí para buscar algo que eu pudesse chamar de meu, de minha conquista, minha vitória. Quanta coisa eu podia olhar, durante os primeiros anos e dizer, eu sou o orgulho dos meus pais, e não há motivos pra dizer que eu os decepciono!E assim seguiram-se os primeiros anos longe de vocês. O filho que saiu de casa é o orgulho da família. Vã imaginação que eu mesmo criei e supus que era o que vocês esperavam de mim. O filho que não fraquejaria, que não decepcionaria, que não traria desgostos e tristezas. Vã e insana imaginação. Mesmo sem nem sentir o que é ser genitor, quis colocar na minha cabeça o que pensava eu estar na cabeça de vocês.Quando alguns sonhos foram interrompidos, a única coisa que me vinha à mente era que toda a expectativa de ser o orgulho da família havia acabado para mim e para vocês. Eu havia sido impedido de dar continuidade a um projeto que me sustentava como o ápice da nossa casa!E mesmo diante de toda conturbação, o que encontrei em vocês? AMOR... Nada mais que AMOR! O amor que me acolheu e que me encorajou a continuar e a ver que a vida não acabava ali. Que dificuldades, todos temos! Mas que se temos AMOR, nada é tão insuportável e impossível. E naquela ocasião aprendi de vocês o amor que acolhe, que incentiva, que impulsiona, que motiva e que dá coragem... Da sensação de tê-los decepcionado, à realidade de ser extremamente amado!Foi umas das experiências mais intensas que vivi e que com certeza me fizeram crescer e me ver capaz de continuar.Desde que vim para a capital, as coisas da vida passaram a acontecer com mais velocidade e de maneira expressiva, que às vezes, penso que já cresci e que a hora da brincadeira acabou. Que esta ciranda, é de verdade e que se não souber o que quero, nunca vou chegar a lugar algum!Nunca tive coragem de lhes falar de algo que ainda me obstrui muito com vocês. E que apesar de tanta coisa já vivida, ainda não tive coragem de me abrir e de poder dizer muita coisa que está aqui, nesse coração, que jamais deixará de ser de vocês dois!Entendo muito bem e por entendê-los é que nunca forcei a barra para que fosse do meu jeito. Sempre quis muito que o tempo, meu maior companheiro e mestre, me ajudasse e me desse respostas e palavras certas! Quando eu tive que contar a vocês sobre a minha orientação sexual, me vi novamente na cena do filho que decepciona, que magoa, que fere e que trai. E como disse, entendo-os perfeitamente, ainda mais pela condição em que tudo aconteceu... Vocês tiveram que receber a notícia que nenhum pai ou mãe espera receber e, além do mais, que conceber a idéia de que eu morava com uma pessoa. Eu sei que não foi fácil! E não foi nem pra vocês, como também não foi pra mim! Naquele instante eu tinha duas opções. Supor que eu estava equivocado e que tudo poderia mudar e viver o resto da minha vida como um ser qualquer e infeliz ou entender que eu havia ficado adulto e que, por mais doída, eu precisava encarar a realidade e viver os meus dias como um ser humano completamente feliz. Ali eu tive que aprender que eu deveria antes de mais nada deixar de me magoar, de me ferir e de me trair!Eu me recordo como hoje, aquele dia em que tudo aconteceu. Que dia horrível, interminável e decisivo! Ouvir que eu seria vergonha, que eu estava indo contra a vontade de Deus e desrespeitando meus pais. Imaginem, desrespeitar as pessoas que me deram a vida e que eu posso gritar sem medo nenhum que amo demais!E ainda, não acredito que não sou amado por Deus por esse motivo.  Tentar usar Deus como justificativa para que as coisas não aconteçam, é perder uma parte preciosa do tempo em que podemos, em nome desse Deus, nos amar como família que somos. Será que precisamos de prova maior de que Deus me ama e me quer como a todos, do que a que Ele mesmo nos deu no meu nascimento, quando me fez reviver e ainda os inspirou a me dar um nome que traduz a “cura de Deus”!Nunca quis forçá-los a aceitar nada. Eu sabia que a única coisa que poderia mudar tudo aquilo que estava acontecendo, era o tempo! E foi aí que resolvi me aliar ao senhor tempo e deixar com que ele conduzisse as coisas. Não sei se consegui. Mas neste tempo até hoje, quis sempre mostrar que minha essência em nada mudou. Sou ainda o filho, que apesar de distante, está muito próximo. E que não é a minha orientação sexual que vai mudar as minhas características, os meus princípios e os preceitos que vocês me ensinaram. Só quero continuar sendo o filho que ama e é amado, respeita e recebe respeito e que, em qualquer circunstância, vocês terão a certeza de poder contar comigo!O tempo e a vida já nos deram sinais de que nada mudou, ao contrário, cada dia que passa, o amor é maior e mais sólido!Bem, não sei ainda ao certo o que se passa no coração e na cabeça de vocês. Daria uma vida pra poder saber! Mas, mais uma vez quero respeitá-los, sem ser invasivo e sem desejar que seja do meu jeito. Só acho que, com tanta coisa “decolando” na minha vida, já é tempo e que amanhã pode ser tarde demais pra eu poder dizer, pai e mãe, que eu os tenho como os grandes heróis da minha vida. Os meus maiores ídolos. As figuras que norteiam a minha existência e que sem vocês eu jamais seria esse sujeito feliz e realizado que sou hoje!A vida nos ensina que se temos alguém para partilhar as alegrias e as tristezas, tudo fica mais ameno e que não somos eternos, assim é importante ter alguém para que nos acompanhe na caminhada da vida. Só gostaria de ter a tranqüilidade e saber que meus pais se orgulham do filho que tem e que somos uma família feliz.Com tudo isso, quero encerrar dizendo que eu tenho um amor incondicional e até mesmo imensurável por vocês!


Nenhum comentário:

Postar um comentário